A indústria brasileira começa a sofrer impactos concretos da epidemia de coronavírus. Depois de amargar uma desaceleração no ano passado, as fábricas instaladas no país podem ter o desempenho do primeiro trimestre afetado por problemas no recebimento de componentes e matérias-primas da China, o maior parceiro comercial do Brasil.
Fabricantes de eletroeletrônicos já relatam problemas no recebimento de componentes. Montadoras de veículos e representantes do setor farmacêutico estão em alerta.
Do total de insumos importados – que servem de matéria-prima para os produtos que são feitos nas indústrias nacionais – 20% vêm da China.
– A participação das importações chinesas é relevante. Se os embarques são interrompidos, pode haver atrasos ou pausas na produção brasileira – diz Marcos Casarin, economista-chefe para América Latina na Oxford Economics.
De acordo com sondagem da Abinee, associação brasileira de fabricantes de produtos eletroeletrônicos como celulares e TVs, 52% do setor já tiveram algum problema no recebimento de materiais vindos da China.
A pesquisa mostra que 22% dos associados, que participaram do levantamento, disseram que devem paralisar a produção em algum momento nas próximas semanas por falta de componentes.
– Estamos avaliando a situação de perto – diz o presidente da Abinee, Humberto Barbato, lembrando que a China responde por 42% dos componentes eletrônicos importados pelo setor.
Segundo José Salvino, presidente do SindMetal (Sindicato dos Metalúrgicos) de Jaguariúna, em São Paulo, a empresa Flextronics, que fabrica celulares da Motorola, enviou uma carta alertando sobre o problema. De acordo com Salvino, o setor pode ter 80% das atividades paralisadas:
– A medida afeta quase todas as linhas de produção. Desde a semana passada estamos aguardando parecer da multinacional chinesa para ver se há possibilidade de contágio através das peças importadas.
Risco de desabastecimento
A Anfavea, associação brasileira da indústria automotiva, acompanha “24 horas por dia” os efeitos da epidemia de coronavírus na China sobre a cadeia produtiva de autopeças. Apesar de a doença ter interrompido a operação em fábricas em Wuhan – considerada a “Detroit Chinesa” pela concentração de montadoras – e em outras áreas da China, por ora não há risco de desabastecimento de peças no Brasil.
— Estamos monitorando o tema não só das peças que importamos, mas também dos fornecedores dos nossos fornecedores. Hoje não temos problema (de desabastecimento) — diz Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.
Estudo da consultoria Oxford Economics vê o Brasil como um dos países com maior risco de desabastecimento na hipótese de a epidemia prolongar o período de fechamento de indústrias na China.
A importação de placas solares da China já começa a ser afetada. Segundo Daniel Pansarella, diretor da fabricante chinesa de painéis Trina, os embarques têm atrasos de até duas semanas. Para ele, a falta de produtos no mercado brasileiro vai depender da extensão da crise no país asiático:
— Muitos clientes têm programação trimestral, por isso os estoques maiores. Não vejo o varejo com falta de produto. Quem pode ter falta de material no primeiro momento são distribuidores menores, que não têm estoques.
A relevância de fornecedores chineses no Brasil só é batida pela importância deles para a indústria de países da Ásia e da Oceania, cujas cadeias logísticas estão intimamente conectadas à China. Nos primeiros lugares da lista estão Vietnã (com 41% dos bens intermediários comprados dos chineses) e Filipinas (30%).
— A produção industrial brasileira, tal como a da maioria dos países, depende muito de produtos intermediários (insumos) chineses. Há uma integração nas linhas de produção em vários setores — diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, para quem a queda deve ser maior em eletrônicos e têxteis.
O economista avalia ainda que o coronavírus tem potencial de reforçar a perda de força da indústria brasileira ocorrida no ano passado, quando recuou 1,1% em relação a 2018.
O risco de desabastecimento é maior entre componentes de maior valor agregado que chegam por transporte aéreo da China. O estoque no Brasil dá conta para os próximos 15 dias, nas contas da Eletros, associação dos fabricantes de eletrônicos da linha branca (geladeira), marrom (TV e som) e portáteis (secadores de cabelo, ventiladores, entre outros). Entre os insumos que chegam por navio, o estoque nacional é capaz de abastecer as indústrias por 90 dias.
– Preocupa a instabilidade na cadeia logística de importação de insumos da China – diz José Jorge do Nascimento Junior, presidente da Eletros.
Na fabricante de eletrônicos Multilaser, com portfólio que vai de celulares a aspiradores, boa parte da produção depende dos fornecedores chineses. Mensalmente as duas fábricas da Multilaser, em Extrema (MG) e Manaus (AM), produzem 2 milhões de produtos. Cada um tem, em média, 200 componentes do país asiático.
– Os efeitos só serão sentidos em março, e se a situação atual persistir até lá — diz Alexandre Ostrowiecki, presidente da Multilaser.
Henrique Tada, presidente executivo da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), destacou que o setor acompanha a crise de perto. Mais de 90% das matérias-primas são importadas de países como China e Índia.
– Estamos em alerta. Quase tudo vem da China. Acompanhamos a movimentação de cargas dentro da China.
O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) disse que os estoques de princípios ativos e insumos importados da China são suficientes para atender às necessidades da indústria nas próximas semanas. Informou ainda que os estoques de medicamentos prontos nos postos de saúde e nas farmácias e distribuidoras garantem o abastecimento da população e de clínicas e hospitais.